7ª Conferência Municipal de Cultura de Belo Horizonte: Ameaça fascista pairando no ar

Por Rogério Salgado e Edward Ramos *Publicado originalmente no Jornal Boêmio

A Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte (assim como as Secretarias Municipais de Cultura de outras capitais) abriu este ano as inscrições para a 7ª Conferência Municipal de Cultura. Segundo a Secretaria, o evento visa promover o debate sobre as políticas culturais com ampla participação da sociedade, visando o fortalecimento da democracia e a garantia dos direitos culturais. Esse é o objetivo central, que, alinhado à Conferência Nacional de Cultura, terá como tema neste ano “Democracia e Direito à Cultura”. Para dar a largada neste processo de debate deveria envolver toda a sociedade e seriam compostas por cinco encontros temáticos nos quais a sociedade civil poderia debater com o poder público as ações e políticas públicas para a cultura, além de eleger os delegados que irão compor as plenárias finais dessa 7ª Conferência. As inscrições para as Pré-Conferências foram feitas a partir do dia 17 de julho último, dentro do Portal da PBH, com o prazo se estendendo até a data de realização de cada um dos encontros temáticos, que foram realizados nos dias 9, 10, 17, 23 e 24 de agosto. Os encontros das Pré-Conferências aconteceram de forma on-line, por meio da plataforma disponibilizada pela Secretaria Municipal de Cultura da capital mineira.

Antes da realização desses Encontros temáticos das Pré-Conferências, a Secretaria Municipal de Cultura promoveu uma edição especial da Caravana da Cultura. O Encontro foi virtual, acontecendo no dia 24 de julho deste ano. O objetivo foi apresentar ao público as diretrizes, além de explicar e tirar dúvidas sobre todas as etapas da 7ª Conferência Municipal de Cultura. Para essa reunião pública não foi necessário realizar inscrição prévia.

O motivo desta primeira etapa foi apontar propostas para a 7ª Conferência Municipal de Cultura e selecionar delegados e delegadas para os grupos de trabalho e também para as plenárias finais da Conferência, que ocorrerão nos dias 16 e 17 de setembro, podendo participar maiores de 16 anos. Durante a inscrição, o interessado escolhe quais encontros deseja participar, e o link de acesso às salas de debate será enviado, posteriormente, por e-mail. Ao todo, serão cinco encontros virtuais e a dinâmica será organizada pela equipe de mediação, iniciando com a explanação sobre a temática e a metodologia, seguida do debate entre participantes, a apresentação das propostas e a eleição dos delegados e delegadas. Os participantes terão a possibilidade de enviar novas proposições em até três dias após o encerramento da Pré-Conferência Temática na qual participaram. O envio será realizado através de formulário específico para cada eixo, encaminhado por e-mail.

A 7ª Conferência Municipal de Cultura terá pela frente três importantes missões. A primeira, definir as metas que irão orientar as políticas culturais da capital mineira para os anos de 2024 e 2025.  A segunda será propor diretrizes que nortearão a elaboração do novo Plano Municipal de Cultura, que terá a vigência de dez anos, sendo de 2026 a 2035. O terceiro e último objetivo será o de encaminhar propostas para a Conferência Estadual de Cultura de Minas Gerais e para a Conferência Nacional de Cultura, e eleger delegados para a etapa estadual, ocasião na qual as políticas culturais para Minas Gerais e para o Brasil serão discutidas e construídas com toda a sociedade.

Acontece que um fato inusitado surpreendeu a todos. Algo pelo que se saiba, inédito no campo da cultura de Belo Horizonte, no entanto, aconteceu nessas reuniões: a participação massiva e surpreendente de pessoas ligadas à extrema direita e mais, ao chamado bolsonarismo. Não obstante tratar-se de um espaço democrático de escuta por parte do poder público para o qual, espera-se, quanto maior a diversidade melhores serão os resultados, os atores em questão jogaram por terra esse raciocínio. A maioria dessas pessoas ligadas ao campo bolsonarista que fizeram uso da fala demonstraram desconhecimento total sobre o que seja uma conferência, sobre o objeto dos órgãos públicos de cultura e, obviamente, sobre o que seja diversidade, limitanto-se a repetir o discurso sobre a falaciosa e fictícia “ideologia de gênero”, atacando movimentos identitários e, quando muito, apresentando propostas retrógadas entendidas por eles como “conservadoras”. Segundo informações, este grupo teve apoio de uma grande seita evangélica da capital mineira. A título de ilustração, citaremos um participante que acusou a Secretaria Municipal de Cultura de “forçar a barra” para beneficiar o movimento LGBTQIA+; outra, que se apresentou como “cristã e de direita”, afirmou que não há democracia cultural na capital mineira, pois só se faz “política cultural para as minorias e não para a maioria”, como deveria ser segundo ela.

Uma das intervenções mais chocantes foi a do participante cuja foto de perfil era a imagem do torturador Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Este se limitou a bradar “fora Lula”, atacar uma suposta “democracia seletiva” e dizer que “vai vendo, está só começando”. Apenas a título de informação, o Coronel Ustra foi um cidadão que na década de 1970, em pleno regime militar, usava de sadismo, crueldade e barbaridades e foi oficialmente o primeiro torturador condenado com provas reais na história do Brasil. Em suas sessões de torturas em centenas de pessoas que aconteciam em São Paulo, no Destacamento de Operações de Informação / Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), sob o seu comando, ele, em sua crueldade, mandava buscar filhos com idade entre cinco e oito anos para assistir suas mães levando choques no pau de arara, obrigando essas mães a confessarem até o que não sabiam. Em 2013, quando foi depor na Comissão Nacional da Verdade, décadas após o fim da ditadura, Ustra mostrou novamente a faceta dissimulada e mentirosa ao afirmar que não houve mortes dentro das instalações que comandava. Ustra faleceu em 15 de outubro de 2015. Importante destacar que este último personagem admirador do Coronel Ustra foi interrompido várias vezes por pessoas obviamente indignadas com o discurso e que os coordenadores do evento atuaram no sentido de garantir-lhe a fala, o que comprova a lisura do processo democrático pelo viés dos órgãos públicos municipais de cultura. Pessoas e grupos comprometidos com uma política pública efetiva e democrática rapidamente se mobilizaram.

Chamamos a atenção aqui para o fato de que artistas, intelectuais, políticos, servidores públicos e ativistas históricos terem usado a internet para se mobilizar e envolver mais pessoas no combate ao protofascismo. Um dos espaços de articulação foi um grupo fechado de Whatsapp criado pelo poeta e ativista cultural Marco Llobus intitulado ANTIFAS — BH CULTURA, com mais de 90 participantes, que atualizava os componentes com informações sobre as pré conferências, estimulava a formação de outros grupos de WhatsApp e partilhava dicas de estratégias para possibilitar a eleição de um número maior possível de delegados. Eram convidados para o grupo “pessoas humanistas e antifascistas”. Aos interessados, Marco Llobus é um multiartista, produtor cultural, ativista em defesa das manifestações da cultura popular tradicional, que tem em seu currículo um vasto trabalho em vários segmentos culturais e sociais. Um dos criadores junto a outros poetas, do Sarau Poético da Lagoa do Nado, no ano de 2000, primeiro sarau em Centro Cultural na capital mineira.

 

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