Ponto de Memória

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O Instituto Imersão Latina iniciou em 2012 o Ponto de Memória no Pompéu, comunidade de Sabará sob a coordenação da Aline Cântia, conselheira do Imel. A iniciativa é do Instituto Imersão Latina em parceria com o Museu do Ouro, a Prefeitura de Sabará, a Escola Municipal Rosalina Nogueira e o IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus. Por esta iniciativa o Imel recebeu dois prêmios Ponto de Memória.

Abaixo estão alguns depoimentos de quem participou desta história. Veja fotos na nossa rede: http://imersaolatina.ning.com/photo/albums/ponto-de-mem-ria-do-imel

 

Aline Cântia e Chicó do Céu em gravação de CD Memórias de Pompéu

Quando germinam memórias 

(Por Aline Cântia)

A comunidade do Pompéu é uma das muitas que rodeiam a histórica Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte. A cidade sobe pelos morros e vai se espichando por ruas de pedra, igrejas e praças, onde crianças caminham com suas avós; homens e mulheres seguem pros trabalhos; gente de toda idade se cumprimenta e joga conversaS sobre o tempo. Um lugar que ainda guarda os saberes do passado, que traz poetas e cantadores escondidos entre as montanhas.

Conta-se por lá que nos meados do século passado, existia uma casa aberta nos confins do Pompéu. Era ali no lar de Dona Feliciana, carinhosamente chamada de Vovó Gorda, que se encontravam os mestres da folia de reis, as donas Marias, Fias e principalmente os andarilhos que tinham pouso garantido e traziam com eles as historias do mundo. Era uma casa sempre cheia, e que tinha como um dos ouvintes mais atentos, um rapaz de pouca idade chamado Silas. Um menino que ainda mora no mesmo terreno em que cresceu e virou o Silas Fonseca, poeta, músico, compositor, artista pra toda hora. Pai da Nádia e da Laura: duas jovens que, ao cultivarem a ‘escuta’ atenta à própria história, assumem, disseminam e continuam a manter as memórias locais. Elas nos ensinam que não é preciso negar os artifícios da sociedade contemporânea para que o passado esteja no presente. Uma família que é celebrada pela presença da Fia: forte, silenciosa e prendada. Deixa a impressão de que guarda suas memórias naqueles sótãos antigos das casas: lugar cheio de desejos e sonhos, onde só pode entrar quem conquista a confiança da dona da casa.

Gente subindo e descendo ladeiras. O Restaurante Moinho d’água. O Alambique e o Restaurante Jotapê. A Capelinha de Santo Antônio e suas coroações de Nossa Senhora feitas à luz de velas e ao som do violino do Sr. Vicente que acompanhava a ladainha cantada em latim, todos os dias do mês de maio, as brincadeiras de roda e de passar anel, a festa do padroeiro… Um lugar que abrigou a família da Isabel Cristina que veio lá de Carandaí ainda em meados do Séc. XX. Outra casa sempre cheia de filhos, netos, gente que entra e sai para pedir conselhos e rezas aos donos da casa. Isabel cresceu ali e parece que traz o Pompéu inteiro dentro do sorriso. Está sempre acompanhada pelo Zé Alves, que além de marido, é o parceiro de histórias, poesias e canções no grupo Cantarolê. São destes encontros que valem uma vida. Observador, tranquilo, Zè Alves sabe encantar sem precisar falar muita coisa. E quando solta a voz e dedilha o violão, nos leva pra lugares ainda mais distantes – como reinos encantados do mundo do Era uma Vez.

Também por aqui nasceu a Zelma, que se transformou numa educadora de primeira e hoje compartilha com as crianças toda a ternura e beleza de uma infância de brincadeiras e sonhos.

Joaquim Escolástico Damascena também é do Pompéu. Pelo ofício, virou o Joaquim Borracheiro. Pela vida, se transformou no pai do Marcos Túlio. Seu Joaquim é destes senhores de coração mole, que proseia macio e demorado. Há mais de 10 anos vai e volta em Sabará, todos os dias, pra cuidar da borracharia. Aliás, borracharia não. Borrachalioteca: um projeto do filho que começou no bairro Caieira e ganhou o mundo. Marcos Túlio também puxou a fala mansa e o coração grande do pai. E de presente, ganhou uma daquelas famílias difíceis da gente esquecer. Passeando pelo Vale do Jequitinhonha, trombou com a Aguida Alves, uma moça apaixonada por Drummond, Clarice, Cecília Meirelles, Cora Coralina e João Cabral. Narradora de histórias nata, foi tão generosa que não guardou só pra ela as preciosidades que tem em casa. Dividiu o Sartre e a Cecília com o mundo. E ainda angariou mais uma turma de crianças e formou o Arautos da Poesia. Uma meninada pra lá de bonita que anda por aí perguntando se a gente quer ouvir poesia.

Assim é Pompéu. Reconhece quem passa a vida toda por ali, abre os caminhos pra quem sai pelo mundo e recebe de braços abertos que vem de fora.

Neste ano de 2012, eu tive a sorte de ver isso de pertinho. A presença da Lourdinha Reis, uma dessas pessoas que passaria horas falando e contando histórias de todos os lugares do mundo. E ainda, cantaria, tocaria violão, faria trovas e contaria as mais bonitas experiências da promoção da leitura com gente todo tamanho.

Assim também foi com o Ribamar: professor de História em Sabará, radialista, locutor… chegou com suas histórias dos homens do mar, dos causos de assombração, das memórias que misturam a História Oral e aquela que já foi registrada e escrita nos documentos e livros.

E por falar em História, lembro da Isabella Menezes, educadora do Museu do Ouro e ouvinte dos registros que ainda estão vivos na memória das pessoas. Foi ela quem me trouxe aqui pela primeira vez. E que, como uma mestra, continuou me conduzindo pelos caminhos da História: hora ensinando sobre datas, hora dividindo experiências, compartilhando as dúvidas, questionando e buscando os melhores caminhos pra escutar, observar e lutar pelo direito à produção e registro da memória de nosso povo sabarense.

E estas são apenas algumas das muitas vozes que passaram pelo projeto “Contado Histórias do Pompéu”, em 2012. Outras crianças, como a Nayla, contadora de história mirim do Pompéu, também nos deu ar da graça com a mãe maranhense e cheia de bons causos. Também a xxx com as filhas. O xxx. Também por lá passou o Wellington Pedro, do Ponto de Memória do Museu do Taquaril, que levou experiência e histórias. A Sandra Bittencourt e o Babu Xavier, com suas narrativas, cantigas, jogos e brincadeiras. O Cícero Almeida, do IBRAM, que trouxe suas expectativas e memórias de uma infância por Minas, na pequena Aimorés – onde viveu o Carlinhos Ferreira, que também passou por aqui, com seu berimbau e pandeiro. O Felipe Evangelista, também do IBRAM, com sua escuta apurada e atenta. A Brenda Marques, do Instituto Imersão Latina, e sua pequena Dakota que nasceu no mesmo dia que o nosso Ponto de Memória. Enfim: uma gente que nos presenteou com as lembranças mais bonitas.

Lembro-me, como se fosse hoje, da ansiedade em apresentar logo o Pompéu para o Chicó do Céu, músico e amigo que empresta sua voz às minhas narrativas. Com um interesse profundo pelas pessoas, Chicó foi presença essencial nesta caminhada pelo Pompéu. Com a beleza de sua musicalidade nata, me ajudou a conduzir cada entrevista, cada prosa, encontro ou registro. E agora, ajuda a ilustrar e dar vida a este pequeno caderno de memórias.  

Um caderno em que dividimos a tarefa de ouvir, guardar e contar histórias de lugares e de pessoas. Um trabalho que só foi possível pela participação de cada uma dessas pessoas, pelo jeito acolhedor do Pompéu e pelas parcerias realizadas: o Instituto Imersão Latina, o Museu do Ouro, a Prefeitura de Sabará, a Escola Municipal Rosalina Nogueira e o IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus, por acreditar, apoiar e permitir que as nossas narrativas sejam valorizadas e registradas.

Com vocês, nosso encontro de vozes!

 

Gravação do CD Memórias de Pompéu em Sabará. Ponto de Memória do Imersão Latina. Prêmio concedido pelo IBRAM. Silas da Fonseca é o que está no meio de blusa verde limão.

 

PONTO DE MEMÓRIA - DEPOIMENTO

(Por Silas da Fonseca)

Meu nome é Silas da Fonseca, tenho 61 anos, 58 dos quais muito bem vividos em Pompéu. A infância às margens do pequeno rio que corta o povoado, o paisagismo exuberante, os caçadores e pescadores reunidos para partilharem seus causos, as rezas à luz de velas em nossa secular capelinha, o “trem de ferro” da central do Brasil passando pela  vida os seus passageiros… tudo isso foi construindo em mim uma paixão muito grande pelo bairro.
Quando Chicó e Aline me procuraram para falar do “Ponto de Memória” e pedir a minha colaboração na execução do Projeto eu senti que, na verdade, a vida inteira eu esperei por aquilo. A cada ano eu via morrer os nossos idosos e sentia que, com eles, morria também um pedaço importante de nossa história. Eu gostava de ouví-los e muito do que ouvia estava em minha memória, mas eu também já sou um idoso.
Escrevi algumas coisas, registrei alguns causos e histórias dos nossos personagens mais ilustres, mas era muito pouco e quase nada abrangente.
Agarrei com alma e coração a oportunidade que Chicó e Aline traziam com sua arte. Tentamos incluir o maior número possível de jovens mas enfrentamos uma concorrência muito forte com o “face book” e poucos toparam. Não desanimei. Fui atrás de amigos que eu sabia adeptos de projetos dessa natureza, conseguimos um número suficiente e começamos as oficinas.
A arte de Chicó e Aline, eu pude perceber, ia muito além da tarefa de executar um projeto. Com pouco tempo  eram como se nascidos aqui. Totalmente envolvidos com o nosso povo, com as nossas tradições e com meus anseios de perpetuar a nossa identidade através de nossa história.
Não tivemos maiores dificuldades. Tínhamos sido cativados. Hoje, quando finalizamos os trabalhos, sinto que fomos além daquilo que nós mesmos esperávamos do projeto. O que foi feito, o que foi levantado, o que foi registrado contribuirá, sem dúvida alguma para que o Pompéu não venha a ser uma espécie de “filho adotivo” de quem não se conhece as origens, os seus pais e para quem sempre ficará faltando o pedaço mais importante de sua história.
Desejo de coração que Aline e Chicó continuem caminhando com seus projetos a tira colo e possam proporcionar a muitas outras comunidade o registro de suas origens, a construção de sua identidade, razão única, pela qual eu não tentei convencê-los a permanecerem consosco. A história precisa muito mais deles do que nós.
Fica pois registrado ao Chicó e á Aline e a todas as entidades que tornaram possível este acontecimento, a minha gratidão e o meu reconhecimento pelo serviço prestado a nossa história. O Pompéu agradece.
Silas da Fonseca